terça-feira, outubro 22, 2013

Professores isentos de prova se assinarem contrato este ano

"Os professores não integrados na carreira docente que celebrem contratos até ao final deste ano ficam isentos de ter aprovação na prova de avaliação para poder dar aulas, segundo o diploma hoje publicado.
Apesar de estar prevista no Estatuto da Carreira Docente desde 2007, a prova de avaliação de conhecimentos e capacidades nunca chegou a ser implementada.
No entanto, o Diário da República traz hoje o diploma que entra em vigor na quarta-feira e define que os professores não integrados na carreira docente terão de ter aprovação na prova.
Os professores terão de realizar uma prova escrita com uma componente comum a todos os candidatos, podendo haver uma outra prova com componente específica relativa ao nível de ensino, área disciplinar ou grupo de recrutamento.
Fica definido, no entanto, que os candidatos que até 31 de dezembro deste ano celebrem contratos de trabalho estão dispensados da obtenção de aprovação na prova.
A prova terá "obrigatoriamente uma componente comum a todos os candidatos, que visa avaliar a sua capacidade de mobilizar o raciocínio lógico e crítico, bem como a preparação para resolver problemas em domínios não disciplinares, podendo ainda ter uma componente específica relativa à área disciplinar ou nível de ensino dos candidatos", refere o decreto-lei.
Para o Governo, a prova permite selecionar os professores "que estão melhor preparados e vocacionados para o ensino", refere o diploma que entra na quarta-feira em vigor.
O diploma explica que a avaliação de conhecimentos e de capacidades pretende "assegurar mecanismos de regulação da qualidade do exercício de funções docentes, garantindo a comprovação de requisitos mínimos nos conhecimentos e capacidades transversais à lecionação de qualquer disciplina, área disciplinar ou nível de ensino".
A obtenção de aprovação nesta prova é requisito obrigatório para os candidatos a concursos de seleção e recrutamento de pessoal docente que ainda não tenham integrado a carreira. Já a não aprovação não impede a realização de nova prova em momentos subsequentes, explicou o Ministério da Educação em comunicado divulgado em setembro, após aprovação das novas regras decididas em Conselho de Ministros.
"Os candidatos aprovados têm de se propor a nova prova se ao fim de cinco anos não tiverem desempenhado funções docentes correspondentes a um mínimo de um ano completo de serviço", adiantou ainda o ministério".

quinta-feira, outubro 17, 2013

Proposta rescisão a professores com menos de 60 anos até Janeiro

"Segundo um comunicado divulgado na quarta-feira à noite pelo Ministério da Educação e Ciência, os trabalhadores podem requerer por escrito a cessação do contrato entre 15 de novembro e 31 de janeiro, de acordo com o prazo estabelecido na proposta de diploma.
Nos termos da proposta, caso o docente tenha menos de 50 anos, receberá o correspondente a 1,25 meses de remuneração base por cada ano de trabalho. Aos docentes com idades entre os 50 e os 59 anos, é oferecida a verba correspondente a um mês de salário base por cada ano de serviço.
Para os professores pertencentes aos grupos de recrutamento em maior risco de ficarem sem componente letiva estão previstas "contrapartidas superiores às oferecidas aos demais grupos de recrutamento", afirma o Ministério.
A proposta de diploma será agora negociada com os sindicatos, no sentido de regulamentar o "Programa de Rescisões por Mútuo Acordo de Docentes Integrados na Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário".
No que respeita ao tempo de trabalho relevante para atribuição da compensação é contabilizado cada ano completo de antiguidade, independentemente da respetiva modalidade de relação jurídica de emprego público, mas em caso de fração de ano o montante é "calculado proporcionalmente", lê-se no documento.
Fica excluído "o tempo de serviço que já tenha sido objeto de compensação por cessação do contrato de trabalho".
O Ministério da Educação e Ciência afirma que a abertura deste programa aos professores representa "um encargo superior" ao de outras categorias da Função Pública, "uma vez que se trata de uma categoria com salários elevados".
Os trabalhadores têm cinco dias úteis, a partir da notificação, para decidir se aceitam a fórmula de compensação proposta para rescindir.
O programa é coordenado pelo secretário de Estado da Administração Pública, Hélder Rosalino, sendo disponibilizado na página de Internet da Direção Geral dos Estabelecimentos Escolares o modelo de requerimento e um simulador de cálculo das compensações.
A cessação do contrato de trabalho em função desta proposta de diploma produz efeitos no mês seguinte ao da notificação para os docentes que não tenham turma atribuída, enquanto para os restantes a cessação do contrato ocorre a partir do dia 01 de setembro de 2014".
 

segunda-feira, outubro 14, 2013

"Estou fisicamente preparado para atuar se um aluno desobedecer" - entrevista de Gabriel MIthá Ribeiro

"Professor de História defende o silêncio de volta às escolas. É autoritário e não se importa que os alunos não gostem dele. Basta gostarem das aulas
Licenciado em História e especializado em estudos africanos, Gabriel Mithá Ribeiro gosta ainda de entrar em outras áreas como sociologia ou psicanálise para entender melhor o pensamento social. Daí não ser estranho ouvi-lo sobre temas tão distintos como educação. Até porque já deu aulas durante duas décadas em escolas "ditas difíceis" e, segundo ele, só quem conhece bem a sala de aula tem condições para estudar e investigar a realidade escolar e ainda propor políticas no ensino. Mithá Ribeiro é um dos convidados da Fundação Francisco Manuel dos Santos que a partir de hoje e durante o resto da semana vai animar o debate online "Onde acaba a indisciplina e começa a violência", que acontece em simultâneo com as conferências em Lisboa e Braga "A Indisciplina na Escola" nos dias 17 e 18.
"Onde acaba a indisciplina e começa a violência" é o mote do debate em que vai participar. Existe uma fronteira?
É muito difícil separar a indisciplina da violência. O problema sério nas escolas é a indisciplina. E o problema seríssimo é a pequena indisciplina.
Porque é a recorrente?
E porque é a que tem de se combater no início. Dei aulas no 3.o ciclo e secundário durante 20 anos em 11 escolas ditas difíceis da margem Sul e sei que a violência não é um problema maior. Não digo que não existe, digo que é empolada. O alvo da questão é a indisciplina. Ou se resolve ou vamos continuar a enfrentar um dos obstáculos mais estruturais do ensino.
Há dificuldades em assumir que este é um problema grave nas escolas?
Para percebermos os problemas que condicionam o sistema de ensino, temos de partir da sensibilidade da sala de aula, que é onde tudo acontece. Mas toda a sensibilidade que condiciona as políticas e as teorias de educação é gerada de cima para baixo. Quanto mais distantes estão as pessoas das salas de aulas, mais poder têm para condicionar o ensino. Há até directores que estão décadas sem dar aulas e são uma correia de transmissão do que vem de fora para dentro em vez de levar a sensibilidade da sala de aula para fora. Se a sala de aula fosse o factor condicionante do pensamento e da definição de políticas de ensino, há muito que a indisciplina se tinha revelado um problema central. Além da falácia dos directores, há a falácia dos professores universitários. É completamente diferente ser professor do superior e do básico e secundário. As teorias aplicadas no básico e secundário vêm do ensino superior sem nunca terem sido testadas no próprio ensino superior. Se fossem, saberiam as asneiras que fazem.
Que asneiras?
A forma como se mexe nos currículos ou se faz as reformas. Tem de haver uma relação directa entre a prática quotidiana de dar aulas e a teorização. A estrutura universitária trata dos problemas do ensino sem saber o que é o ensino. É uma espécie de bloqueio que, se calhar, nem em cem anos vamos resolver. Mas é preciso alguém dizer que o único que pode teorizar e propor políticas a sério é quem conhece a sala de aula. Mas é tão errado alguém que só está na sala de aula e não tem teoria para explicar a vida da sala de aula como o oposto.
Porque só se reage perante a violência?
Porque o ruído tornou-se tão normal que só reagimos quando se ultrapassa o nível do ruído. O silêncio é o aspecto que mais casa com a construção do conhecimento, mas foi banido das escolas. O ruído foi naturalizado nas aulas e incentivado pelos pedagogos que defendem a participação, a permanente actividade dos alunos.
Silêncio quer dizer reflexão?
Quer dizer adesão voluntária das pessoas à introspecção, à tranquilidade. Muitos professores queixam-se da indisciplina porque optaram por modelos pedagógicos participativos, que dão muito poder ao aluno. O modelo participativo tem virtudes mas também tem problemas e um deles é incentivar a indisciplina. Se percebermos que a disciplina é central vamos perceber também que o modelo autoritário directivo consegue mais eficazmente impor o silêncio. Mas passou-se de um modelo autoritário da ditadura para uma ditadura da democracia que impôs o modelo participativo. Quem hoje defender o modelo autoritário parece que está a cometer um pecado capital.
Criar empatia ou proximidade com os alunos promove a indisciplina?
Os dois modelos devem coexistir, mas todo o aparelho ideológico torna uma abordagem legítima e a outra ilegítima. E quem constrói este aparelho é quem não dá aulas. Se dessem, percebiam o erro que é não incentivar o modelo autoritário. Sou um professor autoritário, mas para isso beneficio de duas vantagens que são vergonhosas de dizer num estado civilizado. Uma: sou homem e posso ser fisicamente afirmativo. Se um aluno desobedecer à minha ordem estou preparado para actuar. Não dou aulas sem estar fisicamente bem preparado - faço jogging, exercício, etc.
O Estado Novo exigia aos professores um atestado de robustez física.
Assumo a robustez física como condição de sobrevivência na sala de aula. Por outro lado, ser negro é uma grande vantagem para lidar com minorias. A maioria do corpo docente são mulheres de etnia portuguesa. Se alguém estiver interessado em perceber o que é a violência sobre as mulheres é entrar numa sala de aula. Combater a violência contra as mulheres é combater a indisciplina nas escolas. Mas o que temos é um discurso académico politicamente correcto que, ao mesmo tempo que defende a condição da mulher, defende exageradamente a condição do aluno que massacra essa mulher. Os governos passam e este problema arrasta-se. Devíamos ter vergonha disso.
Voltemos à empatia. Não faz falta?
O ensino assenta em três pilares - conhecimento, professor e aluno - e nós passámos de um ensino erradamente centrado no professor para um ensino ainda pior centrado no aluno. O referencial tem de ser o conhecimento pois ao ser abstracto cria obrigações para docentes e alunos. A empatia na sala de aula não é entre aluno e professor. Não quero que os alunos gostem de mim. Quero que gostem da História que ensino. Não preciso de gostar deles. Basta ter paixão por aquilo que ensino.
É errado centrar o ensino no aluno?
Se o ensino é centrado no aluno e o aparelho ideológico prepara as pessoas para isso, fica essa marca no subconsciente. Quando o professor entra na aula e no subconsciente dele está a ideia de que o ser mais precioso é o aluno, vai remover tudo o que o atrapalha: a ordem, o esforço e, às vezes, o conhecimento. Se na cabeça dele está sempre a martelar que o conhecimento é o mais importante, facilmente remove aquilo que atrapalha o conhecimento, como por exemplo alunos mal comportados. É o ruído que tem de sair porta fora. O ensino centrado no aluno é um dos fundamentos da indisciplina, mas outro é o estatuto do aluno.
Mas o actual até é mais punitivo.
É no papel. Digo que o estatuto do aluno é uma fonte de indisciplina porque quando se quer regular relações sociais a partir de documentos escritos é preciso que tenham valor social e simbólico, que só se adquire depois de muitos anos, gerações. Leis que regulam comportamentos têm de ser estáveis para entrarem na cabeça de alunos e de professores. Quando as regras são estáveis também contaminam as famílias, a comunidade e tudo o resto. O que se fez nos últimos 20 anos com os sucessivos estatutos do aluno foi matar a possibilidade de se resolver problemas a partir de documentos escritos.
E qual é a solução?
Dar poder à palavra do professor para que resolva o problema da indisciplina como entender. Nem que fosse uma medida temporária para higienizar a função do documento escrito, dos estatutos.
Dar a palavra aos professores implica reconhecer também a sua autoridade.
E enquanto não se confiar nos professores, o problema da indisciplina não se resolve. Só que, incrivelmente, quem não confia nos professores são os cientistas da educação, sempre a emitir regras sobre como trabalhar, o que fazer e não fazer.
Essas regras condicionavam-no?
Comecei tão incompetente como qualquer professor. Ao fim de uns anos, cortei completamente com o chamado ensino auto: o ensino em que não é o professor que ensina é o aluno que aprende, não é o professor que dá nota é o aluno que auto-avalia e não é o professor que impõe regras é o aluno que negoceia essas regras com o professor. Nas minhas aulas, eu ensino e os alunos aprendem. Nunca promovi auto-avaliação dos alunos e nesse aspecto fui contra a lei. Se sei que é uma fonte de perda de autoridade porque vou por esse caminho?
Que regras impunha?
As mesmas que a mim mesmo. Chegar a horas, trazer material, estar quieto e calado. Depois, nos primeiros 15 ou 20 minutos de aula sou eu que falo. É a parte da aula autoritária e expositiva. Não admito interrupções. Se permito uma pergunta e respondo, voltarei a ser interrompido e já não saio do mesmo lugar. Os alunos tomam notas, memorizam e tiram dúvidas no fim.
E correu sempre tudo bem?
No início do ano há sempre uns espertos que querem interromper. A minha reacção é dizer "Pegue nas suas coisas e rua!" O maior trunfo do professor é o dom da palavra. Se um docente não impõe silêncio nos primeiros 15 minutos da aula, vai andar 20 anos sem saber construir uma frase pois nunca treinou o direito que tem de falar. O ensino participativo não percebe a importância da palavra. Se imponho 20 minutos - e às vezes 90 - para expor a matéria, ao fim de uns anos já sei seduzir pela palavra - entoar, baixar a voz, contar histórias. Isto é muito exigente. Para expor a matéria durante 20 minutos é preciso estar bem preparado. Para dar uma aula de 90 minutos com os alunos quietos e calados tenho de saber contar muito bem a história. Parte da culpa é também dos professores, que gostam de ser intelectualmente preguiçosos. Hoje nenhum professor é autoritário se não for competente no domínio do conhecimento. Se os alunos percebem que sabemos o que estamos a ensinar, acatam as regras mais radicais que possam imaginar. Chegava a pôr na rua o mesmo chico-esperto todos os dias. Ao fim de um mês, chegava a dizer ao aluno que ele já estava chumbado.
Desistia dele?
Ou quero salvar todos e vou perder todos ou castigo um ou dois e salvo 20 e tal. Já expulsei alunos para sempre da minha sala.
Isso é contra a lei?
Toda a escola sabia, os pais sabiam, mas nunca ninguém contestou. Sabe porquê? Havia silêncio e os alunos aprendiam.
No seu livro "A Pedagogia da Avestruz", admite que teve atitudes radicais.
Tive um aluno que ficava à porta da sala a gozar enquanto os colegas entravam. Um dia em que entrou, agarrei-o com a toda a força e rebentei-lhe a camisa e só não lhe bati? Ficou de tal maneira assustado que nunca mais apareceu nas minhas aulas. Nesse ano tive o meu carro riscado de ponta a ponta. Mas nunca contestei. É o preço a pagar. Mas há outros focos de indisciplina como é o caso do currículo, que promove a instabilidade das regras e não permite ter uma ideia clara do que é uma aula. Um aluno entra numa aula de 45 minutos, sai e entra noutra de 90, a seguir vai almoçar e tem outra de 45. Essa inconstância torna impossível sedimentar na cabeça dos alunos as regras para estar numa aula. Com tantos especialistas em educação é incrível que não se tenha percebido que a ideia estável de aula corresponde à ideia estável de comportamento.
As famílias são empecilhos?
São empecilhos e criaram uma confusão entre o papel do professor e o papel do pai, o papel do aluno com o papel do filho. Isto foi terrível no plano da autoridade. A escola abriu-se à comunidade de tal forma que agora qualquer um se sente com autoridade para dizer o que os professores deviam ensinar. Quando a escola se fechar sobre ela própria, não terá de se justificar o porquê das regras que aplica".
 
Jornal i

quinta-feira, outubro 10, 2013

Cortes de 10% na função pública em salário acima dos 600 euros

"O governo pretende avançar para uma redução definitiva em 10 por cento nos salários dos funcionários públicos acima de 600 euros a partir de 1 de janeiro. Mais de 400 mil trabalhadores do Estado vão perder mais de um ordenado por ano. A diminuição dos vencimentos é concretizada através da revisão da tabela remuneratória única.
A notícia é do Correio da Manhã, que explica que a medida vai ser discutida esta quinta-feira em Conselho de Ministros. Da aplicação do corte não pode resultar um salário mensal inferior a 600 euros.

Os cortes deverão ser aplicados mesmo aos funcionários públicos cujas carreiras não estejam inseridas na atual tabela remuneratória, que se encontrava em vigor desde 2009.

Os novos ordenados vão ser fixados numa portaria conjunta da ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, e do primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho. Em maio passado, em carta enviada à ‘troika’, o chefe do governo comprometeu-se a diminuir as despesas com pessoal em 445 milhões de euros através de uma nova tabela remuneratória única e de uma tabela única de suplementos".
 
CM

terça-feira, outubro 08, 2013

Parque Esfolar

"A criação em 2007 da empresa Parque Escolar (PE), cuja missão seria modernizar a rede escolar pública, foi um erro colossal de José Sócrates. E não se entende porque, ao fim de mais de dois anos de governo, Passos Coelho ainda não extinguiu este organismo caro e inútil.
A ideia era, à partida, excelente: quem não quer melhorar as condições de ensino dos nossos filhos? Mas cedo se transformou num pesadelo. Na reabilitação das escolas incluídas no programa da PE, os investimentos foram inflacionados, privilegiou-se a criatividade artística, o luxo asiático, em detrimento da funcionalidade. Na maior parte das obras, nem sequer se consideraram espaços para gabinetes de professores. As intervenções ficaram caríssimas.
Por outro lado, a eficiência térmica dos edifícios raramente foi equacionada, nem tão-pouco foram previstos os custos de manutenção e conservação. Há escolas que dispõem hoje dos mais avançados sistemas de ar condicionado, mas não têm orçamento para o seu funcionamento. Os candeeiros são de autor, mas a substituição das lâmpadas não é possível, pois os custos são incomportáveis. Com equipamentos desativados por falta de verbas, os edifícios tornam-se desconfortáveis e impróprios à prática do ensino.
Acresce que o modelo geral de financiamento das obras foi em regime de parceria público-privada, ou seja, ruinoso. A celebração de contratos com privados para a execução dos projetos acarreta agora o pagamento de rendas incomportáveis. Os construtores do regime, bafejados com estas intervenções da PE, estão no paraíso, usufruindo, sem qualquer risco, de elevadas rentabilidades face ao capital investido.
Afortunadas são também as sociedades de advogados que a PE contrata, tantos são os litígios decorrentes da sua incompetência. Só em 2013, em serviços jurídicos, já houve adjudicações de quase um milhão de euros. Os escritórios dos ex-ministros Rui Pena, José Luís Arnaut e Nobre Guedes são os principais contemplados.
O inferno, esse, está reservado a alunos e professores, ora instalados em obras megalómanas com manutenção deficiente. E árdua deve ser a vida dos diretores das escolas que têm de gerir verdadeiros palácios com orçamentos próprios de barracas".
 
Paulo Morais
CM 

terça-feira, outubro 01, 2013

Às portas do Inferno - crónica de Pacheco Pereira

"Amanhã vota-se nas eleições autárquicas. Apesar do enjoo que suscitam no pedantismo nacional e no engraçadismo que substituiu o debate público, foram e são particularmente interessantes. São-no pelo seu significado nacional e local, são-no pela imensa participação cívica, pelo que revelam de tendências mais profundas da vida político-partidária, com a emergência de "independentes" fortes, mas são-no acima de tudo porque mostram um fugaz retorno da política e da democracia ao país da "emergência financeira". Durante um mês, não fomos "intervencionados", seja por escapismo irrealista, seja por liberdade, a política soltou-se. Não é por acaso que os partidários do "estado de excepção financeira" as tratam tão mal, como à democracia. 

Estas eleições foram eleições livres da troika, para a asneira e para a coisa boa, capazes de ainda manter algum espaço saudável em que o garrote vil das "inevitabilidades" não entra. Foram eleições em que o PSD e o CDS prometeram pontes e calçadas, túneis e aquedutos, livros gratuitos e medicamentos para todos, óscares de Hollywood e prémios internacionais de arquitectura, ou seja, foram eleições que ocorreram nos bons e velhos idos do esbanjamento no seu máximo esplendor. Sócrates devia sentir-se em casa, no meio dos cartazes autárquicos, Passos Coelho devia pintar a cara de preto por não conseguir convencer os seus dos méritos de empobrecer. Mas, bem pelo contrário, andou nas arruadas soterrado por círculos e círculos de guarda-costas e polícias. Estranho, não é?

Depois de amanhã, voltamos ao Portugal da troika, em pleno pós-"crise Portas", com o fantasma da instabilidade que o "irrevogável" fez sair da lâmpada e que não volta outra vez para lá, a habitar os escritórios assépticos da Moody"s e da Fitch. O Governo está paralisado, diria eu mais uma vez, se não fosse esse o estado mais habitual. Se os portugueses soubessem como são os Conselhos de Ministros, como todo o trabalho orçamental está bloqueado pelas resistências de ministros e pela espera das decisões da troika, percebiam muito do que é o estado do país. A coisa está tão negra e tão confusa, tão desesperançada, que nem o ministro da propaganda Maduro está com força anímica para inventar mentiras eficazes.
O último produto do laboratório orwelliano governamental para responder às decisões do Tribunal Constitucional é contraditório e pífio. Por um lado, diz Portas, o essencial da "reforma laboral" passou no Tribunal Constitucional (os feriados e os dias de férias...), e o menos importante (os despedimentos sem regras, estão mesmo a ver a irrelevância...) chumbou. E logo a seguir, dito pelo mesmo, o mantra ameaçador da perplexidade dos mercados face às decisões do Tribunal. Não percebo por que razão tendo tido o Governo vencimento de causa constitucional no que era mais importante, cai o Carmo e Trindade da Comissão, do BCE e do FMI, pela parte que era menos importante... Já nem sequer se preocupam em elaborar mentiras com algum nexo.

Mas o essencial do enorme impasse em que está a governação reside na conjugação da tempestade perfeita: a "crise Portas" deitou fora a "credibilidade" de Gaspar, e é natural que assim seja porque Portas saiu "irrevogavelmente" por considerar que a política de austeridade estava esgotada e queria mostrar resultados na "economia" e pôr a troika na rua. Está-se mesmo a ver como é que esses "sinais" são lidos pelos "mercados", até pela sua inconsequência. Portas é o directo responsável pela crise dos juros portugueses e anda por aí em campanha eleitoral a falar de "recuperação económica". Se houver segundo resgate, como muito provavelmente haverá, de forma aberta ou encapotada, agradeçam-lhe num lugar de honra. Não é o único, bem pelo contrário, mas foi de todos aquele que mais mal fez ao país, pela futilidade da sua vaidade e do seu gigantesco ego.

O menosprezo do Presidente pelos factores políticos da crise, que levou a manter em funções o "navio-fantasma" do governo da diarquia Passos-Portas, apoiado pela opinião publicada que assume o discurso da "inevitabilidade", pela imprensa económica e pelo establishment financeiro, assente na fraqueza de Seguro, impediu que a solução, arriscada, imperfeita, e com custos, das eleições antecipadas pudesse alterar os dados da questão e permitir mais espaço de manobra política. Conheço muita gente que nem queria ouvir falar de eleições e hoje começa a perceber que elas permitiriam alterar os dados políticos, que o actual impasse não permite.

Por tudo isto, depois de amanhã vamos acordar na antecâmara do Inferno. Pensam que estou a exagerar? Na verdade, nestes dois anos, a realidade tem sido sempre pior do que a minha mais perversa imaginação, porque as coisas são como são, tão simples como isto. E são más. A partir de amanhã, haja convulsão mansa no PSD, ou forte no PS, acabarão por milagre as pontes, túneis e medicamentos gratuitos, que ninguém fará, nem pode fazer, e vai começar o discurso puro e duro da violência social contra quem tem salários minimamente decentes, quem tem emprego no Estado, quem recebe prestações sociais, quem precisa de serviços de saúde, quem quer educar os seus filhos na universidade, quem quer viver uma vida minimamente decente, quem quer suportar uma pequena empresa, quem paga, com todas as dificuldades, a sua renda, o seu empréstimo.

O que nos vai ser dito, com toda a brutalidade, é que os nossos credores entendem que ainda não estamos suficientemente pobres para o seu critério do que deve ser Portugal. Apenas isto: vocês ganham muito mais do que deviam, não podem ser despedidos à vontade, têm mais saúde e educação do que deveriam ter, trabalham muito menos do que deviam, vivem num paraíso à custa do dinheiro que vos emprestamos e, por isso, se não mudam a bem mudam a mal. Isto será dito pelos mandantes. E isto vai ser repetido pelos mandados da troika, sob a forma de não há "alternativa" senão fazer o que eles querem. Haver há, mas nunca ninguém as quer discutir, quer quanto à saída do euro, quer quanto à distribuição desigual dos sacrifícios, de modo a deixar em paz os mecânicos de automóveis e as cabeleireiras e olhar para os que se "esquecem" de declarar milhões de euros, mas isso não se discute.

Por que é que, dois anos depois de duros sacrifícios, estamos pior do que à data do memorando, por que é que nenhum objectivo do memorando foi atingido, por que é que o Governo falhou todos os valores do défice e da dívida, porque é que o desespero é hoje maior, a impotência mais raivosa, o espaço de manobra menor, isso ninguém nos explicará do lado do poder. Vai haver um enorme atirar de culpas, à troika, do PSD ao CDS ao PS, à ingovernabilidade atávica dos portugueses, aos sindicatos comunistas, aos juízes conservadores do Tribunal Constitucional, e o ar ficará denso de palavras de raiva e impotência. Mas "vamos no bom caminho", dirá o demónio de serviço à barca do Inferno. Depois de amanhã ouviremos essas palavras".
 
Pacheco Pereira